A TV Globo lançou na noite de domingo, 27 de abril de 2025, a série documental Gloria, uma homenagem profunda e íntima à jornalista Gloria Maria, falecida em fevereiro de 2023 no Rio de Janeiro. A produção, composta por quatro episódios, estreou imediatamente após o Fantástico, marcando um dos momentos mais emocionantes da programação da emissora nos últimos anos — e parte das comemorações dos 60 anos da Globo Comunicação e Participações S.A.. O que parecia ser apenas uma homenagem póstuma se transformou em um retrato vivo de coragem, curiosidade e revolução: Gloria Maria não apenas entrou na TV, ela a reescreveu.
Um legado que nasceu na Veraneio
Nos anos 1970, quando a televisão brasileira ainda era dominada por vozes brancas e masculinas, Gloria Maria chegou à Globo como radioescuta da Editoria Rio, conciliando os estudos com o trabalho. Usava uma Veraneio, veículo utilitário produzido no Brasil na época, para percorrer as ruas do Rio fazendo reportagens de rua — algo inédito para uma mulher negra na época. A série revela imagens raras desse período, quando ela gravava em fita cassete, com um gravador portátil e um caderno de anotações que viraria depois o coração da produção. "Ela não esperava permissão. Ela só ia", conta a diretora Danielle França. O primeiro voo duplo na TV brasileira, a entrevista com o presidente João Figueiredo durante a ditadura, a cobertura da epidemia de Ebola na África em 2014 — tudo isso foi feito com a mesma intensidade: olhos abertos, ouvidos atentos, coração na ponta da língua.Além da câmera: a mulher por trás da jornalista
O que torna Gloria diferente de qualquer outro documentário é o acesso aos arquivos pessoais. Diários inéditos, gravados por ela mesma, revelam medos, dúvidas e momentos de profunda solidão. "Eu me sinto como uma árvore que plantou sombra para outros, mas nunca teve onde sentar", diz uma das entradas, lida pela atriz Cissa Guimarães na voz da narradora. As filhas, Maria e Laura, abriram as portas da casa que Gloria construiu em Búzios, um lugar que ela chamava de "refúgio do silêncio". Ali, entre livros, flores e fotos de Michael Jackson e Madonna — com quem conversou em Paris —, ela guardava não só lembranças, mas a essência de quem se recusou a ser apenas um símbolo.A roda das Herdeiras: o legado que não morreu
A série dedica um capítulo inteiro à roda de conversa com 18 jornalistas negras, integrantes do grupo Herdeiras de Gloria Maria, criado em 2022 por Letícia Vidica e Cris Guterres. Entre elas, Maju Coutinho, Aline Midlej, Denise Thomaz Bastos e Laís Franklin, editora-chefe da Bravo. "Ela não foi só a primeira. Ela foi a que provou que a gente podia estar lá, sem desculpas", diz Maju, com a voz embargada. "Nós não tivemos a sorte de conviver com ela. Mas ela nos ensinou, por exemplo, que não precisamos ser perfeitas. Só precisamos ser verdadeiras." O diretor Paulo Sampaio diz que o projeto foi feito como um mapa: "Queríamos mostrar que Gloria não é um ponto no passado. É uma linha que continua se estendendo. Ela apontou o caminho para quem veio depois."4K, memória e impacto
Disponível em 4K no Globoplay, a série reúne mais de 500 horas de arquivo, incluindo filmagens da viagem à Nigéria — que Gloria considerava a experiência mais transformadora de sua vida. "Foi lá que entendi que o jornalismo não é só contar histórias. É ouvir o que o mundo não quer que se ouça", diz ela, em um trecho inédito. A produção também inclui cenas raras de mergulhos com tubarões, entrevistas com artistas internacionais e até momentos de lazer com amigos, como o encontro com o poeta Ferreira Gullar no Rio, onde conversaram sobre poesia e resistência.Por que isso importa agora?
Em um momento em que a diversidade na mídia ainda é discutida em termos de metas e números, Gloria lembra que a mudança não acontece por decreto. Ela acontece quando uma mulher negra, filha de uma costureira e de um porteiro, entra na TV com um microfone na mão e um olhar que desafia o sistema. A série não é só um tributo. É um chamado. Para quem trabalha na imprensa, para quem vê a TV, para quem ainda acredita que a história pode ser escrita por quem foi silenciado.Os episódios que marcaram
- Capítulo 1: Nunca Tive Barreiras — 51 minutos. Os primeiros passos na Globo, a ditadura e o desafio de ser repórter em pleno regime militar.
- Capítulo 2: A Cidade e a Voz — 48 minutos. A cobertura da epidemia de Ebola, o impacto global e a luta por credibilidade em um jornalismo dominado por estrangeiros.
- Capítulo 3: A Leoa — 44 minutos. A intimidade, a fé, a maternidade e os momentos de solidão em Búzios.
- Capítulo 4: O Legado — 52 minutos. As Herdeiras, os depoimentos de colegas como William Bonner e Monica Maria Barbosa, e o legado que continua vivo.
Frequently Asked Questions
Como Gloria Maria influenciou a presença de mulheres negras na TV brasileira?
Gloria Maria foi a primeira mulher negra a apresentar reportagens de grande impacto na TV brasileira, abrindo portas em uma área historicamente dominada por homens brancos. Seu estilo direto, sua presença inegável e sua coragem em abordar temas como racismo e desigualdade inspiraram gerações. Hoje, 18 jornalistas negras — integrantes do grupo "Herdeiras de Gloria Maria" — afirmam que ela foi o modelo de profissionalismo e autenticidade que as motivou a seguir na carreira, mesmo diante da exclusão.
Quais são os momentos mais icônicos da carreira de Gloria Maria destacados na série?
A série destaca a primeira entrevista com o presidente João Figueiredo durante a ditadura, a cobertura da epidemia de Ebola na África em 2014, o primeiro voo duplo exibido na TV brasileira e suas conversas com celebridades como Michael Jackson e Madonna. Também são incluídos trechos inéditos de seus diários e imagens de seus mergulhos com tubarões, que revelam sua curiosidade insaciável e seu compromisso com a verdade jornalística.
Por que a série foi lançada agora, dois anos após sua morte?
O lançamento coincide com os 60 anos da TV Globo e com o fortalecimento do movimento de representatividade na mídia. A produção levou mais de dois anos para ser finalizada, pois os diretores queriam garantir que o retrato fosse completo, não apenas celebratório. A escolha do momento também responde ao apelo das novas gerações de jornalistas, que pediam uma homenagem que fosse mais do que um discurso — uma herança viva.
Onde posso assistir à série "Gloria"?
A série "Gloria" está disponível integralmente em 4K no Globoplay, plataforma de streaming da TV Globo. Os quatro episódios foram lançados em sequência, a partir de 27 de abril de 2025, e podem ser assistidos em qualquer horário. A produção também foi disponibilizada com legendas em português e áudio descritivo para pessoas com deficiência visual.
Quem foram os principais colaboradores da produção da série?
A direção ficou a cargo de Danielle França e Paulo Sampaio, com produção executiva de Fatima Baptista. A equipe contou com o apoio das filhas de Gloria Maria, Maria e Laura, além de colegas como William Bonner, Monica Maria Barbosa e Luis Miranda. A roda de conversa com as 18 jornalistas negras foi coordenada por Letícia Vidica e Cris Guterres, fundadoras do grupo "Herdeiras de Gloria Maria".
Qual é o impacto cultural dessa série no jornalismo brasileiro?
"Gloria" não apenas registra uma trajetória — ela redefine o que significa ser jornalista no Brasil. Ao mostrar a humanidade por trás da figura pública, a série desafia o mito da neutralidade fria e afirma que a empatia, a coragem e a identidade são elementos essenciais do bom jornalismo. É um marco que pode inspirar novas políticas de diversidade nas redações e uma nova geração de profissionais que não precisam se encaixar em moldes antigos para serem ouvidos.
